19 novembro 2005

Serões

Serões
Rasgo a minha infância de várias formas. Uma delas é quando invoco os serões onde a televisão era um ser estranho. Matava-se o tempo por entre fumo e prosa. A luz era fraca. O frio entrava em postigos que sinalizavam portas e janelas. Não existia pudor no contacto, na partilha. As mesas eram de madeira fumada. Os pratos de esmalte roído pelo uso. Os copos, pequenos e poucos.
Tinha palmo e meio de vida. Observava, com olhos largos, a caneca de vinho que girava de boca em boca. Tinha uma jarra escura, desenhada, com água, como companheira.
Nesse tempo, as histórias eram arte. O tempo dava tempo ao tempo. As mãos calejadas eram afagadas pelo calor da lareira. Neste palco, havia lugar e licença para cães e gatos. Os restos caiam como folhas de Outono.
Hoje sugo esse tempo com a felicidade dos dias felizes. Não lamento a perda porque vivi em harmonia. Porém, neste passado sem dupla anoto que recebi mais do que dei.