27 janeiro 2006

Vulto

Quem és tu afinal? Tu que vomitas o asco da palavra fácil. Tu que tropeças no mais elementar dos jogos. Pisas a surdina e representas o banal. Contudo, andas por cá. Um vulto, nórdico, de óculos fora de tempo, de resposta em disparo. Voltas sempre porque este calor é o calor do tempo que já não tens.
Lembro, nas curtas frases que te oiço, o quanto brilhas com o tempo onde a luz eram as estrelas do monte. Entro em ti porque sou, em parte, o que não consegues ser. Não pela genialidade mas pela lembrança, crua, que te levo sempre que te deixas embarcar pela infância.
Não te peço para curvares o que tens em ti. Jamais o farias porque o pedestal, hoje, não te permite parar. Porém, o tempo é madastro para aqueles que o trepam. Tu serás o pedinte da favela rica. Um corpo sem perfume. Nessa hora nem um golpe de asa te valerá.

26 janeiro 2006

Tela


Que espécie de tempo é este onde a lamparina ilumina a estrada sem chama?
Passeio por ela na vil ideia de a vencer. Dificulto o andar porque desde logo percebi a roupa que agora possui. Os braços, os meus braços, vergam pelo pavor do olhar possuído. Porém, é este esguiço frio que me seduz. Alimenta o escuro dos dias gélidos construídos pelo luar.
Tudo me inquieta mas é nisto que cresço. Sem ela, derrotava o meu ego. É com ela que pinto o que necessito. Uma tela branca sem nada aos olhos fáceis. Uma diabrura, branda, bafejada por alguns seres que já por aqui passaram.

17 janeiro 2006

Corpo


O tempo hoje é de dor. Um dia que vai ser martelado por um corpo que partiu. Um espírito viajante, negro pelo dia. Há neste retrato um elevador de lembrança. Um rasgo que se fixa pelo enlevo dos dias tristes. Mesmo assim, ganho concórdia pela coragem da troca. Cheiro nisto um fado rebelde. Uma agulha que atiça o que deixamos escapar por entre os dedos. O perdão nublado. O voltar ao que verdadeiramente queremos.
Neste jogo sem baliza, solta-se o incontrolável. Porém, há muito que uma parte já não obedece ao descontrolo. É aqui que o jogo está onde deve estar.
Perder é morte. Ganhar é mais uma etapa do fim anunciado.

13 janeiro 2006

Chão


O que tenho dentro de mim é a névoa sublime. O sussurro da partida. O cheiro perdido.
Um rasgo, em imagens, que povoa um tempo com tempo. Uma ponte que grita pela mão trémula do primeiro encontro.
Sigo o trilho do lobo. O chão puxa-me para a maré de um mar que já não tenho em mim.
Tropeço na areia fina. Ainda sinto o peso do fim de tarde que empurrou o calor da ilusão. Vejo agora os rostos da dor. De novo, o aperto de mão. A coragem da estrada cruzada por magotes de gente sem nome.
Neste retrato desarticulado, componho a sina da palavra.
Saio da história. Não sinto o que piso mas alguém me reclama a vida. É por ela, sempre por ela, que sigo viagem até ao fim.